Resumo
A Constituição Federal de 1988 aboliu, de seu bojo, todas as formas de tortura e de tratamentos desumanos ou degradantes. Passou a definir, como servidores militares, os policiais e os bombeiros militares dos estados, de forma similar aos integrantes das Forças Armadas. Foram-lhes concedidas ainda prerrogativas de fórum para a perda do posto e da graduação por meio do art. 125, §4° e art. 142, §3°, incs. VI e VII. Dadas suas peculiaridades castrenses, estão sujeitos a um ordenamento jurídico particular, composto de códigos, leis, estatutos e regulamentos específicos. Embora o referido texto constitucional dispor sobre o caráter hediondo do crime de Tortura, Lei 9455/97, lei penal, específica e extravagante, a respeito do tema, somente veio a ser promulgada quase nove anos após. Impulsionada pelos constantes incidentes de repercussão nacional, ainda corriqueiros, mesmo após o fim da ditadura militar, como forma de punir severamente o agente do estado, acusado de tortura, instituiu-se, em seu art. 1°, §5°, a previsão da perda automática da função em virtude de condenação por crime de tortura. Nessa esteira, a referida lei infraconstitucional atingiu diretamente os policiais militares, principais alvos pelas suas atividades operacionais, com exposição ao risco, mas na proteção da sociedade. Partindo deste princípio, o presente estudo, por meio de uma revisão das doutrinas existentes, livros jurídicos, revistas científicas, sites eletrônicos especializados e a jurisprudência dos tribunais, propôs-se a fazer uma análise crítica do dispositivo constante no §5º do art. 1º da Lei 9.455/97, quando aplicado a policiais militares condenados por crime comum de tortura, que perdem automaticamente o seu cargo, sendo posto para oficiais ou a graduação para as praças. Entendem os magistrados que sua aplicação é de competência da Justiça Comum, o que, numa primeira análise, vai de encontro ao disposto na Constituição Federal que prevê as prerrogativas asseguradas aos oficiais e às praças, e a maneira como estas e aqueles poderão perder a graduação, posto ou patente. Por outro lado, procura-se o caminho correto a ser percorrido na busca da declaração eventual dessa perda. Posto que não exista uma jurisprudência firmada e unificada sobre o assunto, os tribunais superiores brasileiros vêm apresentando alguns julgados intra partes, dos quais destacam-se acórdãos, com que se verificou uma corrente de unicidade de que o previsto no art. 1°, §5° da Lei 9455/97, a perda automática da função não deixou de ser inconstitucional quando decretada pela Justiça Comum a policiais militares condenados por qualquer uma das modalidades da tortura, como apontam algumas doutrinas penais. Pretende-se encontrar um entendimento mais amplo do tema, contextualizando-o com o Direito Constitucional, Direito Penal Militar e Direito Penal Comum.